A cidade vista do alto

 

Estou sobre a caixa d´água do edifício Drogasil(Rua Brasil quase esquina com a Sergipe), como costumeiramente faço em todas as tardes e inicio de noite. Há anos que, todos os dias pouso no mesmo lugar para descansar e contemplar a rua Brasil do alto. Minutos atrás, o som do atrito do contato do aço das portas do tipo de enrolar com os trilhos dos batentes, marcou o encerramento de mais um dia no comércio, nesses tempo de crise.

Agora começou o revoar das andorinhas a procura de um galho para pousar e passar a noite. O que antes era apenas para passar a primavera e o verão, fugindo do inverno rigoroso de outros países, agora tornou-se definitivo – adotaram a cidade para viver e reproduzir –.

As árvores do calçadão em frente ao Bradesco e toda a sua extensão, bem como o ipê amarelo de décadas, já sem flores, da residência construída pelo sr. José Olympio na metade do século passado, são os preferidos. Quando amanhece o dia as calçadas estarão emporcalhadas, cheirando a enxofre e a espera de serem lavadas, o que nunca acontece.

Vejo tudo isso e não posso falar nada, pois também faço a minha parte de sujeira – a diferença é que a realizo aqui no topo do prédio onde ninguém frequenta –.

Estou com seis anos de idade e já me considero velho ou, a caminho da velhice, pois após oito anos de vida os pássaros da minha espécie passam a viver de lambuja. Por mais que me cuide, só comendo alimentos saudáveis(!) e desgarrado do meu bando que só consome porcarias, tenho consciência que, já percorri mais da metade da minha régua da vida, lembrando que, o tempo voa, ainda mais quando a vida é curta, não é mesmo?

As moscas que vivem em média de 15 a 30 dias que o digam! Mas, elas não fazem falta a não ser pela sua importância na cadeia alimentar para garantir a sobrevivência das aranhas, lagartixas e alguns besouros. Na verdade, o que elas mais fazem é transmitir doenças e pousar onde não devem, contaminando os alimentos.

Daqui do alto vejo as pessoas retornando para as suas casas, muitas apressadas outras, nem tanto. Vejo também o trânsito caótico dos veículos querendo atravessar a rua Brasil, também congestionada, sem um único agente de trânsito para disciplinar e agilizar a circulação dos pedestres e veículos.

Daqui a pouco os catadores de papelão e descartáveis começarão a circular recolhendo as caixas vazias e embalagens deixadas pelos lojistas nas calçadas. Um deles se destaca por usar um macacão cáqui com listras refletivas, igual ao dos catadores de lixo, sempre muito calado. Todos os dias, lá está ele a revolver os sacos de lixo à procura principalmente de latinhas de alumínio que são levadas para a sua bicicleta estacionada em frente à banca de revistas do Zé na rua Brasil esquina com a rua Bahia (famosa banca da saudosa Sara).

Dentro de instantes, ao cair da noite, as luzes começarão a clarear a cidade e as ruas do centro cada vez mais vazias. Com as portas abertas, somente a sorveteria do Chiquinho e a Mazzi, que mantém a mesma tradição e qualidade dos pães e confeitos de mais de meio século.

Devo ficar por aqui por algum tempo depois retorno ao meu refúgio longe do centro que, é um segredo de estado. Também mereço uma noite de sossego! Quem sou eu? Poucos me veem, é verdade, mas estou todos os dias observando a cidade e não me canso de contemplá-la. Acho que posso me considerar parte dela, ainda que assim ela possa não me ver. Eu sou o urubu solitário que, desgarrado do meu bando, tenho o privilégio de ver a cidade do alto. E, isso não é pouco!

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